14 setembro 2006

IDEAL E UTOPIA

Os totalitarismos do nosso século são utopismos realizados, mas a sua realização que impõe o bem por via política, médica, tecnológica, etc. não representa a perfeição.
Ouve-se constantemente o tópico ‘crise de valores’ mas o que acaba por ser autenticamente valioso nos valores é o seu estado crítico. Os valores não desaparecem por se não cumprirem as melhores aspirações, mas pelo esquecimento da própria aspiração. É esse o defeito das utopias. A utopia aspira a um estado (político e moral) perfeito, em que todos os valores se realizem sem contradição entre eles, onde o ‘ser’ e o ‘dever ser’ coincidam para sempre. Seria um estado terminal da sociedade… no sentido mais clínico da palavra ‘terminal’. Por outro lado, há quem se alarme perante a renúncia da utopia e tema que signifique a perda do impulso ético de transformação social.
Para que tudo fique mais claro é melhor distinguir entre a ‘utopia’ propriamente dita cujos maus resultados são claros e o ‘anseio utópico’, uma espécie de tendência ética que não se fica apenas pele simples pragmatismo político. A moral teve sempre ideais sem necessidade de utopias, quer dizer, conceitos limite de excelência no comportamento individual para os quais se tende de modo interminável. Diferentemente da utopia, o ideal é o que nunca pode ser acabado: cada avanço regista e amplia as suas perspectivas e mantém viva a inquietação racional que impede que nos identifiquemos beatificamente com qualquer organização social já estabelecida.
O utopista sustenta que a verdadeira vida só começa quando se tenha alcançado a comunidade perfeita, enquanto o idealista opina que a verdade moral da vida é o interminável aperfeiçoamento da comunidade.
Para mediar os vários interesses temos a moral mas nada existe que fundamente de modo absoluto e inapelável os valores portanto a utopia é irrealizavel. O indivíduo sustenta-se e fundamenta-se a si próprio.



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